segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Avatar


O que se espera de um blockbuster? Os metidos à Cult poderiam dizer “nada”, mas eu prefiro dizer que se esperam risos, algumas lágrimas extraídas de momentos dramáticos e singelos e efeitos visuais de tirar o fôlego. Enfim, diversão despretensiosa, que é, às vezes, muito necessário.



Pois James Cameron, aquele mesmo do encantador Titanic, volta depois de um jejum de 12 anos ao exercício da direção para, mais uma vez, arrasar. Não vou ser hipócrita e dizer que o filme se apresenta como uma revolução formal e poética, com conteúdo político aguçado nem nada disso. Vou apenas defender aqui um filme blockbuster que, dentro de seu gênero, se constitui numa experiência plena e vertical.

Para começar, não é todo filme que consegue sustentar 160 minutos de projeção sem nos parecer cansativo, prolixo, pedante, etc... Nem o último capítulo de O Senhor dos Anéis conseguiu essa façanha. E consegue isso porque é consistente nos três aspectos que considero que um longa deve primar: roteiro, direção e atuação.

A história não é simples: estamos no futuro, quando os homens (os americanos, pra ser mais exato) descobrem no planeta Pandora formas de vida fascinantes, pensantes e ligadas por um ecossistema complexo e misterioso. Em meio a toda essa riqueza descobrem também, como não poderia deixar de ser, um minério precioso. A empresa consiste em escavar a nova terra em busca desse minério já que, no futuro, a Terra deverá estar acabada e destruída. No entanto, disso depende a vida em Pandora já que essas escavações destruirão boa parte das formas de vida de lugar e ameaçarão a vida dos Na´vi, população humanóide de características tribais, que vive no planeta. Assim o roteiro explora de maneira genial a forma como a ganância humana pelo minério passa por cima de qualquer interesse antropológico pela existência dos Na´vi.

No entanto, um grupo de cientistas humanos desenvolve um sistema chamado Avatar, no qual um humano pode controlar um corpo genéticamente fabricado similar aos Na´vi para aprender a viver como esse povo. Eis que surge Jake Sully, interpretado por Sam Worthington, que acompanhado pela arrogante cientista Grace, Sigourney Weaver, conseguirão espaço na aldeia dos Omaticaya para aprender com eles suas formas de vida. A tensão surge quando Jake, antes interessado apenas em cumprir sua missão sob a promessa de receber pernas novas (já que ele é paraplégico), apaixona-se por Neytiri, uma das Na´vi, e por toda a vida em Pandora.

Ele terá que lutar, portanto, contra todos os interesses dos humanos liderados pelo estúpido coronel Quaritch (Lang) e pelo patético Parker (Ribisi), que não só zombam da religião e da cultura dos Omaticaya, como não se importam em destruir toda maravilhosa Pandora a fim de conquistar seus interesses comerciais. Concebendo Parker como um capitalista burro e insensível e Quaritch como um vilão de vídeo-game, treinado para matar e destruir, com analogia direta e explicita ao igualmente imbecil W. Bush, o roteiro mostra sua complexidade e, porque não dizer, sua coragem.

Um roteiro que, aliás, muitos podem ler como uma versão adulta e mais computadorizada de Pocahontas, revela forte crítica política e apelo ambiental, sem jamais parecer piegas ou pedante. É admirável ver um blockbuster trazer essas questões com a contundência vista neste Avatar. Coragem essa vista nas passagens em que, primeiro, o exército americano destrói a árvore (mas porque não dizer torre) símbolo dos Na´vi e depois no momento em que o coronel Quartich justifica sua guerra burra e sangrenta como um ato de “Terror contra o Terror”. Aqui, o filme me ganha.

Além disso, o roteiro conta com uma linda história de amor entre um americano e uma Na´vi, Jake e Neytiri, que segue as mesmas linhas gerais do, de novo, clássico Pocahontas e que nem por isso deixa de ser tocante e provocador ao vermos como Jake abandona suas idéias e costumes e passa a entender e a “Ver” as relações do homem com a natureza e dos homens com os homens de maneira mais singela, respeitosa e sustentável.



James Cameron usa, portanto, seu talento como diretor para dar a seu próprio roteiro uma estética que admiro muito quando bem feita de “fantasia dentro da realidade dentro da fantasia”, coisa que Tim Burton e Guilhermo Del Toro souberam fazer muito bem nos admiráveis Big Fish e O Labirinto do Fauno, respectivamente. Aqui, o elemento “fantasia”, que diz respeito a toda Pandora, é feito em computação digital 3D de última geração fazendo qualquer Transformers parecer o lixo dos lixos, não só pela qualidade dos efeitos, mas porque Cameron soube usar os efeitos a seu favor e a favor do roteiro, e não – como em Transformers – só pra ganhar dinheiro e fazer barulho.

As “locações” de Pandora, um planeta e um ecossistema todos feitos no computador, deslumbram os olhos por sua abundância de detalhes como na cena das Ilhas Flutuantes, mas o que nos ganha de fato é a tecnologia empregada para a construção dos Na´vi. Uma evolução da mesma usada para fazer o Golum de O Senhor dos Anéis, o recurso permite ligar ao corpo do ator eletrodos que captam seus mais singelos movimentos transformando-os em ação digital. É incrível ver como detalhes de interpretação conseguem ser captados aqui como em nenhum outro filme, permitindo um realismo sutil e adequado. Além disso, a fusão humanos-reais com os Na´vi, que num filme mal-feito poderia ser gritante, em Avatar parece absolutamente possível.

Com atores não-excepcionais, mas que seguram a barra e estão bem colocados em seus papéis, Avatar também não decepciona nesse quesito. Podemos inclusive fazer uma menção honrosa a Sigouner Weaver e Stephen Lang que constroem Grace e o coronel Quadrich com muita justeza e conseguem, de fato, ótimos resultados.

Um blockbuster sim, mas um blockbuster com qualidade e coragem que deve emocionar a muitas pessoas e, esperamos, provoque a identificação suficiente para que percebamos o quão estúpidas são as nossas relações sociais e com a natureza. Avatar cumpre o seu papel porque atinge aquela qualidade que toda fantasia deve atingir: a de fazer o espectador enxergar as pontes possíveis e necessárias entre a ficção e a realidade.


sábado, 28 de novembro de 2009

Do Começo ao Fim



Parece óbvio que um filme que traz como carro-chefe o tema do incesto associado à homossexualidade criará ruídos, identificações e levantará tabus políticos e sociais no meio em que for divulgado, não é?

Bem, este não é o caso de Do Começo ao Fim. Embora corajoso em sua empreitada e valoroso pelo simples fato de sua existência, o longa dirigido e roteirizado por Aluizio Abranches não emociona mais que qualquer romancezinho adolescente. Aliás, não chega nem a isso, porque pelo menos os romances de hoje são ou apimentados com humor ou com grandes tragédias ou com ambos (como é o caso de Moulin Rouge), fazendo das produções algo interessante. Do Começo ao Fim, ao contrário, segue no mesmo tom pastel desde o primeiro minuto de projeção, sem altos e baixos.

O longa se propõe um drama singelo, uma história de amor entre dois irmãos de mesma mãe e pais diferentes que não se desgrudam desde a infância e constroem uma relação de absoluta dependência afetiva, emocional, física, etc... No entanto, sobre esta estrutura simples o roteiro propõe uma questão tensa  e sobre a qual se podia fazer um filme potente: não bastasse o fato de serem gays, o casal protagonista é composto de irmãos. No entanto, o filme não se aproveita dramaticamente de nenhum desses dois fatos, passando por cima deles como se fossem meros detalhes, o que até é bonito se vivêssemos, sei lá, em 2025? Ou estou sendo otimista?

Mas não vivemos. E um casal de irmãos homossexuais que não sofrem nenhum tipo de repressão social ou familiar é, no mínimo, surreal. O filme cria um universo tão irreal no qual essas personagens vivem que não permite nenhum pingo de identificação com nenhuma personagem ou situação, simplesmente porque é tão absurdo o grau de aceitação de tudo ali que não podemos nos sentir nem minimamente próximos da história. O tom "irreal" aproxima a história de uma fábula quase de fadas, como se a história se passasse num mundo (inexistente hoje em dia) com as condições ideiais para o amor; fato, aliás, exacerbado numa cena em que os atores-mirins estão a beira da janela e conversam com passarinhos.

A mãe aceita como se fosse a coisa mais natural do mundo (o que, aliás, a certa altura, faz parecer que inclusive era ela quem planejava isso), o pai, vivido por Fábio Assunção, não demonstra um pingo de rejeição e o pai argentino, vivido por Jean Pierre Noher, demonstra até algum estranhamento – momento no qual estamos prestes a achar que o filme finalmente vai começar – mas seu personagem morre na próxima cena, acabando com qualquer tipo de tensão dramática.

Para não falar do fato de que a família é rica e altamente instruída (fato que faz a identificação ficar ainda mais difícil, pois mesmo nas famílias ricas e instruídas, essas questões são delicadas) nem mesmo os dois personagens em questão, Tomás e Francisco, vividos respectivamente por Rafael Cardoso e Mausi Martinez, estranham a sua própria sexualidade. Em nenhum momento a descoberta de sua sexualidade parece a eles constrangedor, estranho, diferente ou, no mínimo, curioso - o que já seria normal se fossem heterossexuais - chegando ao cúmulo de Tomás, ainda criança, fazer uma piada algo maliciosa sobre a diferença de tamanho entre o seu pênis e o do irmão.

Parece que o grande medo de Aluisio Abranches é o clichê. Então digamos que o mundo inteiro aceitasse a relação dos dois, mas eles não: teríamos aí uma tensão interessante que daria conta de levar o filme adiante. No entanto, ao não colocar nenhum desses pontos em jogo, Aluisio Abranches faz pior - e aqui vem os problemas de uma direção deficiente e confusa: a cena de encontro dos dois e primeira vez que nos é mostrada uma relação íntima é logo depois – e com a mesma trilha sonora – da cena de morte de Julieta, a mãe dos meninos, vivida por Julia Lemmertz. Quase como se o filme dissesse, "ah, finalmente, agora que ela se foi poderemos ficar juntos", o que não confere visto que a mãe nunca viu problema na relação dos filhos.




A justificativa de Aluisio Abranches para o surto de seu roteiro é que seu tema não é o incesto e nem a homossexualidade, mas o amor, o que é uma desculpa piegas e absurda de um diretor que parece tentar falar de um tema pesado, ousado e profundo, mas com medo de cair no chlichê, acabou falando sobre nada. O que houve, neste caso, foi talvez um pudor temático, porque nenhum dos assuntos que poderiam fazer deste um grande filme são levados à tona e a "surrealidade" com que são tratados os tabus – como se não o fossem – levam os conservadores a achar tudo uma piada de mal gosto (mas pouco provocativa já que não discute assunto nenhum), e os homossexuais e liberais a se sentirem ultrajados por não reconhecerem nem seus dramas, nem suas idéias postas em questão.

Mas tirando tudo isso, o que sobra?

Um filme água com açúcar, com uma trilha sonora melodramática em que o grande problema é que os irmãos inseparáveis terão que se separar por algum tempo, pois um deles vai para a Rússia treinar nas olimpíadas. Mas até esse, que poderia ser um tema de um filme ruim, é um problema falso já que eles são ricos e um pode perfeitamente ir visitar o outro e, quando não podem, como o próprio filme mostra, têm o conforto de fazerem sexo pelo webcam. Oh, que sofrimento!

Não respondendo a nenhum objetivo político nem dramático, o filme se constitui numa experiência decepcionante para o que poderia ser. Julia Lemmertz, Jean Pierre Noher, Louise Cardoso e, quem diria, até Fábio Assunção são quem sustentam o filme para ele não cair no poço profundo em que se joga o roteiro. Os atores-mirins, apesar de adoráveis, têm todas as suas falas visivelmente marcadas e quase sempre sem espontaneidade e os atores protagonistas, apesar de violentamente lindos, não são capazes de sustentar só com seus corpos bem-feitos um roteiro que se trai a cada momento.

Falo aqui, talvez egoicamente, como um homossexual de esquerda que queria ter visto alguma de suas questões – uma que fosse – refletida no filme, mas que viu, mais uma vez, a lógica pequeno-burguesa tratando cheia de dedos um tema em que se merecia enfiar a mão inteira.